A minha rua de meu avô
Nos idos de 1990, se não me falha a memória já cada vez mais
falha, estava trabalhando, quando recebi um telefonema de meu pai:
Zia, acabei de receber uma
ligação do vereador João Capistrano (na falta da memória inventei esse
nome, claro...) que nem conheço, dizendo que aprovou uma lei dando o nome de
uma rua ao seu avô que, segundo ele, o ajudou em uma fase difícil de sua vida.
Não conheço o sujeito, mas agradeci e falei que Papai deve estar feliz por
isso, onde estiver. Veja se descobre onde é essa rua, pra gente ir lá ver.
Nessa época (já podemos falar assim, porque era outra época mesmo!)
não havia internet, as coisas eram todas no papel escrito e pelo telefone
mesmo. Lembrei de uma ex-colega de trabalho, a Luzia, que então trabalhava na
assessoria de um vereador e lhe telefonei, pedindo para ela averiguar.
Alguns dias depois ela me telefonou confirmando, e falando
que era no bairro Serrano, alguma Rua A ou coisa assim que tinha trocado de
nome. Não existindo ainda o Google Maps, essa invenção que, segundo um amigo, devia
ser canonizada, tínhamos dois mapas, o Guia Rivera, um livro cheio de mapas com
um índice para achar as ruas, pela página e um sistema de quadrículas, que
todos os taxistas usavam para achar os endereços e que depois tinham de raciocinar
como chegar até lá, e os mapas do catálogo telefônico da Telemig. Havia um
volume em que os assinantes eram ordenados por endereço, para cada rua havia,
pela ordem dos números, o nome do assinante e o telefone, e a indicação de em
que página e em que quadrícula dos mapas estava o endereço. Esse catálogo
proporcionou muitos namoros, pois a rapaziada descobria onde as meninas
moravam e, nele, o nome do possível sogro e o telefone.
Consultei os dois, e vi que havia duas Ruas A no Serrano.
Não sabendo qual, falei com Papai que assim que eu descobrisse iríamos lá.
Passaram-se uns anos e me lembrei do fato. Fui no catálogo
da Telemig e, para surpresa minha, existia uma rua no bairro Serrano chamada
Rua Osias Baptista.....NETO! Como assim? Botaram meu nome no lugar do do meu avô?
Contei para Papai, ele riu e disse que eu tinha tomado a rua de meu avô, o
velho SOsias, que morrera antes de eu nascer. E avisou, divertido:
Olha isso aí, porque não se
pode colocar nome de rua em gente viva, só em gente morta. Acho que algum
vereador te matou legalmente.
A rua é uma rua pequena, de um quarteirão só, cerca de 50
metros apenas. Pai nem quis ir lá ver, nem eu. E esquecemos o fato, menos
quando alguém queria me gozar falando que eu estava oficialmente morto.
A explicação que achei foi que alguém que trabalhara comigo
e que estava acostumado a preparar ofícios para eu assinar, quando diretor da
empresa que gerenciava o transporte público em Belo Horizonte, fora trabalhar
na Telemig e ao escrever o nome de meu avô meio que no automático lascou um
Neto, sem prestar muita atenção e assim ficou. Verifiquei mais tarde, numa
publicação da Prefeitura , um volume de mapas da cidade em formato A3 de excelente qualidade, que o nome estava correto: Rua Osias Baptista, meu avô, o velho SOsias do
cartório da Rua Guarani.
Passaram-se os anos e surgiu essa maravilha chamada Google
Maps, onde você não apenas tinha acesso a mapas e fotos aéreas relativamente atualizadas,
como ainda podia descer ao nível do chão e ter fotos tiradas por um carro que
circulava pelas ruas fotografando tudo!!!!! Pra essa meninada isso pode parecer
banal, mas apesar de eu trabalhar direta ou indiretamente com informática desde
1971, no Centro de Computação da UFMG, nunca cansei de me maravilhar com as
inovações tecnológicas.
Um dia, após Papai ter partido, com seus 100 anos completos
e bem vividos, lembrei-me da rua de meu avô e fui buscá-la no Street View do
Google Maps. E não é que ela continuava com o meu nome! A rua é tão pequena que
um morador havia colocado uma placa escrita a mão com o nome dela, ou meu, sei
lá, porque a falta de prestígio é tão grande que não tinha (e ainda não tem)
nenhuma placa da Prefeitura com o seu (meu?) nome. Que confusão...
O mais legal é que sempre brinco que estou oficialmente
morto e mostro a rua no Google Maps. Meus amigos, quando veem a rua na sua
tela, acham que foi alguma homenagem que eu recebi, já que achar um outro Osias
Baptista Neto deve ser bem difícil. E mais legal ainda é que os mais próximos
têm o carinho de dizer que a homenagem foi merecida. Foi não, gente! Nem seria.
Conheço meu avô pelas narrativas de meu pai, mestre das palavras e de tantas
coisas, que o contava como um exemplo de retidão e honradez que sempre tentei seguir. Rua pequena,
itinerário de nada, escondida no meio de um bairro simples e sem pompas, tal
qual ele, o legítimo merecedor da homenagem, era.
Pra ilustrar, contava Papai que Vovô, oficial de registro
civil, cartório na Rua Guarani 195, dava plantão aos sábados e domingos, folga
dos funcionários. Certa feita, na falta de pessoas a serem atendidas, resolveu
varrer o salão de atendimento, como costumava fazer. O Magela, farmacêutico da farmácia
da esquina, passou pela porta aberta e ao vê-lo manuseando a vassoura disse:
Que isso, SOsias, o senhor é o
escrivão, não pode ficar varrendo o chão como se fosse um faxineiro! Deixe disso!
Ao que Vovô respondeu:
Magela, amigo velho, pode
haver trabalho acima de minha capacidade, mas nenhum abaixo de minha dignidade!
E continuou com o trabalho, tão importante quanto qualquer
outro. Saravá, SOsias!!!!
Ambos merecem suas homenagens. E tomara que só coloquem placa com seu nome nesta rua daqui a muitos anos!
ResponderExcluirBeleza de cavaco, Zia! E boas lembranças do Papai e do Vovô Ziza.
ResponderExcluirBeleza de cavaco, Zia! E boas lembranças do Papai e do Vovô Ziza!
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